terça-feira, 11 de agosto de 2015
Filho da mãe
Adiante: era uma vez ( ☺ ) uma gata. Grande e balofa. Habituada ao sofá lá de casa, raras vezes se aventurando ao quintal. De vez em quando, mas muito de vez em quando, ela lá ia dar o seu passeio, inspeccionando todos os recantos. Por vezes cruzava-se com um pequeno rato que ela sabia que vivia num buraco do muro. Mas como dava muito trabalho apanhá-lo, deixava-o estar, ainda que ele passasse mesmo por baixo do seu felpudo focinho de gata mimada - o que ela queria era sopas e descanso. Mais descanso do que sopas. Estão a ver?
E eu observava-a da janela, rindo em silêncio da sua pose aristocrática. Eis que um dia apareceu no quintal um pássaro. Um melro, talvez. Dormia na macieira que tinha plantado lá nos fundos e que nunca se tinha atrevido a dar fruto (outra preguiçosa como a minha gata, portanto). O passatempo dele, depois de ter perdido o medo à gata, era implicar com ela, colocando-se no seu caminho, aos saltos, e voando assim que ela mostrava alguma tenção de saltar. Ficavam nisto algum tempo, até um dos dois se cansar.
A brincadeira acabou num sábado de tarde. Eu estava a ver. O melro saltou para o chão, mesmo à frente dela. Depois deu um salto para trás. A gata perseguiu-o num passo lento, de rainha cansada. O melro deu outro salto e foi nesse momento que duas garras afiadas se lhe cravaram no corpo. Um outro gato, sorrateiro, mais pequeno e ágil, tinha estado à espera do pássaro. Depois, pegou no corpo já sem vida do melro e, numa atitude de respeito de filho para a mãe - que o era - , foi depositá-lo à frente da minha gata, que se banqueteou com ele.
Moral da história: não brinques com o destino, que há muito filho da mãe que quer aproveitar-se disso...
quarta-feira, 27 de maio de 2015
Implante
O Frio
(Outro pensamento do João: aquela era a noite da consoada. As pessoas estavam nas suas casas. Partilhavam sorrisos e presentes. Ele partilhava aquele espaço com um candeeiro e algumas folhas de jornal.)
segunda-feira, 18 de maio de 2015
Os homens medem-se às palmas
segunda-feira, 11 de maio de 2015
Cho-co-la-te
domingo, 10 de maio de 2015
A gótica e a ervilha
sexta-feira, 8 de maio de 2015
A invisibilidade de Amélia
terça-feira, 5 de maio de 2015
Sapos, princesas e tudo mais
segunda-feira, 4 de maio de 2015
Capuchinho Vermelho revisitado
sexta-feira, 1 de maio de 2015
Missão lunar
Logo o mundo entrou em sobressalto. Houve tumultos em diversos países, manifestações de comunidades religiosas, suicídios em massa. No meio da histeria, foi decidido fazer a única coisa possível: enviar uma missão à Lua. Prepararam uma sonda, que aterraria na sua superfície. Foram congregados esforços. Por momentos, esqueceram-se as tensões que se tinham vindo a agravar nos últimos anos. Diversas nações trabalharam em conjunto e, em tempo recorde, estava tudo pronto para enviar a sonda, criada com tecnologia japonesa e europeia, num foguetão americano. O mundo assistiu à partida do foguetão e, depois, ficou à espera.
Na Sala de Controlo, em Moscovo, um grupo de homens de diversas nacionalidades monitorizava cada aspecto da missão. A cápsula contendo a sonda demorou 3 dias para chegar à Lua. Vinha agora a parte mais crítica da missão: a alunagem da sonda, que aconteceu conforme planeado. Dotada de seis pequenas rodas, a sonda percorreu, então, o caminho até ao local onde tinha sido detectado o fenómeno. Na Sala de Controlo, a atmosfera era tensa. O mundo esperava, ansiosamente, por novidades. Na televisão davam reportagens diárias, teciam-se conjecturas, cada uma mais ridícula que a outra. Por todo o lado, aconteciam cerimónias religiosas e suicídios em massa. Por todo o lado, do Ocidente ao Oriente, do Norte ao Sul, estavam todos atentos, única e exclusivamente, a um pequeno veículo que fazia um lento trajecto de uns míseros quilómetros na Lua.
Quando Rob White, na Sala de Controlo, começou a ver as primeiras imagens transmitidas pela sonda, não podia acreditar no que via. Um cientista russo, a seu lado, começou a rir. Uma senhora de nacionalidade francesa exclamou: “C’est pas possible!”. Um físico alemão, de nome impronunciável, comentou apenas: “Es ist wahr!” (É verdade!). “E agora?”, perguntou Rob White. Os líderes mundiais deviam ser avisados antes da notícia ser espalhada por todo o mundo. Sinceramente, ele não sabia qual iria ser a reacção.
Em videoconferência com os principais líderes, um grupo de cientistas mostrou o vídeo que a sonda tinha gravado. Obama, cuja reacção estava entre o divertido e o maravilhado, perguntou apenas: “Portanto, devo concluir que não estamos sós no universo e que o perigo de ameaça é nulo?” Rob White confirmou. Houve depois uma troca de palavras entre todos. Rob notou que antigas tensões regressavam. Por fim, todos concordaram que as imagens poderiam ser divulgadas. O cientista duvidou desta medida, mas, depois de terminada a reunião, informou os colegas, sendo imediatamente preparada uma apresentação.
Foi com espanto que o mundo viu as imagens da sonda. Nela aparecia apenas um rapaz, que andava na superfície da Lua. Ele aproximou-se da câmara da sonda, esboçou um sorriso e acenou.
domingo, 26 de abril de 2015
Amor cego
A mãe da Luísa esperava já a pergunta seguinte, habituada que estava à curiosidade inesgotável da filha. Tinha desenvolvido uma grande sensibilidade para saber quando a menina estava a tecer o novelo de mais uma interrogação. Respondia o melhor que sabia, que ela não sabia todas as respostas, e fazia questão em relembrar constantemente a Luísa desse facto.
- Mãe, porque é que há chuva?
A Sara sorriu. Desta vez, uma pergunta simples. Voltavam para casa, cada uma debaixo do seu guarda-chuva. Os pingos caíam, incessantes. A Luísa saltava, com as suas botas de borracha, nas poças de água, por mais advertências que a mãe lhe fizesse, porque podia sujar a roupa, mas o estado da roupa é a menor das prioridades, quando se tem 8 anos.
Viviam numa cidade pequena, onde quase toda a gente se conhecia. A Sara tinha-se mudado para aquele bairro há pouco tempo. Conhecia uma ou duas pessoas, no máximo. Preferia assim. Detestava que as pessoas metessem o bedelho na sua vida. Sim, era mãe solteira. Sim, o pai da Luísa tinha desaparecido. E depois?
A senhora Rosa dobrou a esquina, com o seu guarda-chuva “meia freguesia”, como lhe costumava chamar a Luísa, tão grande que ocupava toda a extensão do passeio. Conversaram durante algum tempo. A senhora Rosa era boa pessoa, apenas um bocado mais mexeriqueira do que a Sara conseguia suportar. Gostava da Luisa e a Luísa tinha de desbobinar o seu dia sempre que a via. Mesmo que chovesse a cântaros, como naquele dia. A Sara usou esse facto para se despachar, enquanto, mentalmente, terminava a lista das coisas que tinha de fazer quando chegasse a casa, e já estava física e psicologicamente arrasada, depois de perder o dia nos transportes públicos e num emprego que lhe arriscava dar cabo dos nervos. Queria chegar rapidamente a casa e esquecer o descanso que o corpo lhe exigia.
O senhor Silva apareceu nesse preciso momento. Devia ter os seus quarenta e muitos anos. Usava uma capa de chuva branca e óculos escuros, mesmo que fosse de noite. Mas para ele todos os dias eram noite, desde que ficara cego, vítima de um glaucoma, conforme a senhora Rosa tinha informado a Sara. E lá vinha ele em direcção a elas, a descrever arcos com a sua bengala branca. Ou, como a Luísa costumava dizer, “a varrer a rua”. A Sara cumprimentou-o, afastando-se para a estrada, para lhe dar espaço. Ele sorriu e retribuiu o cumprimento. A Luísa limitou-se a sorrir e a acenar-lhe. A mãe abana a cabeça e explica-lhe, quando o senhor Silva já estava suficientemente longe.
- Ele não vê, Luísa. Não adianta estares a sorrir e acenar.
A menina não disse nada, mas a Sara percebeu que estava uma pergunta na fornalha. Descobriu, pouco tempo depois, que tinha razão:
- Mamã, o senhor Silva mora sozinho?
A Sara assentiu. Sim. Vivia sozinho. Uma senhora ia a casa dele às terças-feiras e às sextas-feiras e a Sara estava assustada pelo facto de saber este facto – isto significava apenas que estava a conversar demasiado com a senhora Rosa.
- Sim, querida. O senhor Silva vive sozinho e, pelo que sei, já está habituado.
A Luísa olha para a mãe com um ar agoniado: - Sozinho, mamã? Mas como é que se pode habituar a viver sozinho?
- Acontece. Uma pessoa habitua-se. – disse a Sara. Sim. Uma pessoa habituava-se, mas era duro, pensou. Demasiado duro.
Conversaram sobre o senhor Silva até chegarem a casa, no quarto andar de um prédio antigo que deveria ter um elevador a funcionar. Entre muitas outras coisas. Há noite, enquanto lhe aconchegava a roupa da cama, a Sílvia voltou às perguntas sobre o senhor cego. Fazia-lhe confusão alguém não conseguir ver. A Sara abanou a cabeça. Chega de perguntas.
- Dorme, querida. Isso para ti é um problema, mas ele já se habituou.
A Luísa sorri para a mãe. A próxima pergunta era de resposta mais complicada.
- Mãe, achas que ele é feliz?
A Sara meditou por um instante. Como saber se os outros eram felizes? A Sara sabia que a filha era minimamente feliz, e isso era felicidade suficiente para ela.
- Isso, só ele pode saber, Luísa. Agora, dorme, que eu já não aguento em pé.
- Está bem, mamã. Desculpa.
A Sara beijou a filha, desligou a luz e fechou a porta do quarto. Esperava que aquela conversa tivesse acabado por ali, mas um acontecimento veio mudar tudo. Algo simples: a chegada de uma nova moradora para o prédio, também ela cega, também ela vivendo sozinha. E logo que a Luísa se apercebeu do drama da senhora Isilda, teve logo a ideia de juntar os dois.
- Não nos devemos meter na vida das pessoas, Luísa. – aconselhou a mãe.
- Mamã, mas se eles não conseguem ver… ele não sabe que ela vive na mesma rua.
- Querida, as coisas não acontecem como vês nas novelas. A vida não é assim.
Mas a Luísa era teimosa e perseverante, mesmo sem saber o que isso era. Tanto pediu, que a mãe resolveu fazer-lhe a vontade. Falou com a senhora Isilda e com o senhor Silva. Ambos ficaram agradados com a perspectiva de conhecerem alguém com o mesmo problema. No dia combinado, lá vieram. Sentaram-se os quatro à mesa, da sala de estar da Sara, para tomarem chá. A Sara não sabia muito bem como se comportar, mas eles rapidamente a puseram à vontade e foi mais divertido do que ela pensara. No entanto, não notou o mínimo interesse romântico entre os dois. Até a própria Luísa teve de reconhecer a derrota.
- Pelo menos, mamã, eles conheceram-se. Cada um deles sabe que o outro existe.
A Sara sorriu. A filha tinha feito uma boa acção, mesmo sem os resultados que a pequena esperara.
- O amor não funciona assim, Luísa. Não basta que duas pessoas tenham um problema em comum. Até podem não ter nada em comum. Quando cresceres vais perceber.
A Luísa olhou para os seus botões.
- Estou a ficar com medo, mamã.
- Porquê, Luísa?
- Sempre que há uma pergunta mais complicada, dizes isso. Que vou perceber quando crescer. Será que vou ter tempo suficiente para perceber tudo quando crescer?
Quando percebeu a pergunta da filha, a Sara desatou a rir, exorcizando todo o stress acumulado nas últimas semanas.
- Não te preocupes. Tens a vida toda pela tua frente, e a mamã vai estar sempre aqui.
Entretanto, a Luísa tinha fechado os olhos. A Sara sabia que vinha uma nova pergunta.
- Mamã, já sei porque dizem que o amor é cego. – disse a Luísa, mantendo os olhos fechados.
- E então porquê, Luísa? – perguntou a Sara, ficando à espera de uma teoria estranha da filha.
- Porque eu, mesmo de olhos fechados, gosto muito de ti.
sábado, 25 de abril de 2015
A estranha história de Henriqueta
terça-feira, 21 de abril de 2015
O gato do Diabo
Ao chegar à nova casa, demorou algum tempo a ambientar-se. Marcou toda a cozinha como seu território, passando depois à sala, para horror da mãe da menina, que começou a gritar com ele, convencida, talvez, que ele percebia humanês. Ele limitou-se a ficar quieto a olhar para ela, divertido por vê-la mudar de cor, e depois foi-se embora para a cozinha. Tinha fome, queria comer. A mensagem foi rápida e eficientemente entendida. O Número 5, que agora se chamava Lince pela sua parecença com os seus primos selvagens, tinha uma autêntica vida de lorde. Para justificar o (muito) que comia, por vezes fazia habilidades. Continuava rápido e era extremamente esperto, mostrando que conseguia abrir portas e janelas e dançar quando dava algum programa mais animado na televisão (grande invenção, pensava ele, para os seus longos bigodes).
“Veja, vizinha, como está o meu gato!”
A vizinha começou por não ver nada, mas depois deu um salto para trás, ao ver o corno que nascia a um dos lados da cabeça do animal.
“Ai, que é o gato do demónio!”, disse a vizinha. A dona do Lince ficou a olhar para ela e para o gato, que antes de ter o corno era o gato mais esperto das redondezas – agora era motivo de vergonha e de medo. Nem por um momento pensou em ir ao veterinário, porque a crise alastrava também por aqueles lados. Só podia fazer uma coisa. Virou-se para o marido, na ausência da filha, e pediu-lhe para levar o gato para o ponto mais afastado da freguesia vizinha, e o deixasse lá. E o homem lá foi, castrado que era por natureza, sem nada contrapor. A verdade é que aquilo também lhe custava a ele, que se tinha afeiçoado ao animal. Mas nada de contrariar a sua senhora. Ele pegou no gato assim que a filha saiu de casa e levou-o para um longo passeio de carro. Quando parou num sítio que lhe pareceu mais propício, pegou nele, que estava mais nervoso e parecia pressentir o que ia acontecer a seguir, e colocou-o no chão, com uma bacia de leite e uma lata de comida. O Lince rendeu-se à comida e nem deu pela falta do dono, que já tinha seguido em grande velocidade e com uma lágrima no olho. Depressa se habituou à vida na rua, esperto como sempre tinha sido, mas sentia falta do colo confortável da rapariga que pela primeira vez tinha pegado nele.
sábado, 18 de abril de 2015
O estranho talento de um homem banal
Era uma vez…
(Raios, vou mesmo começar assim este conto? Não. É melhor começar de novo… :) )