terça-feira, 11 de agosto de 2015

Filho da mãe

Há muito tempo que não escrevo. Demasiado, na minha opinião. Faltava-me um tema e a paz de espírito suficiente para o desenvolver. Ainda não tenho nem tema, nem paz, mas vamos ver como sai. Vai ser uma fábula. Os personagens, animais comuns que podemos ver em qualquer sítio. Não falam. Sempre me pareceram idiotas as histórias nas quais os animais falam só para que nós os percebamos. Nada pode ser estar mais longe da realidade: os animais não precisam falar, nunca precisaram. Entendem-se mesmo sem palavras. Nós somos o contrário: por vezes, nem com palavras lá vamos.

Adiante: era uma vez (  ) uma gata. Grande e balofa. Habituada ao sofá lá de casa, raras vezes se aventurando ao quintal. De vez em quando, mas muito de vez em quando, ela lá ia dar o seu passeio, inspeccionando todos os recantos. Por vezes cruzava-se com um pequeno rato que ela sabia que vivia num buraco do muro. Mas como dava muito trabalho apanhá-lo, deixava-o estar, ainda que ele passasse mesmo por baixo do seu felpudo focinho de gata mimada - o que ela queria era sopas e descanso. Mais descanso do que sopas. Estão a ver?

E eu observava-a da janela, rindo em silêncio da sua pose aristocrática. Eis que um dia apareceu no quintal um pássaro. Um melro, talvez. Dormia na macieira que tinha plantado lá nos fundos e que nunca se tinha atrevido a dar fruto (outra preguiçosa como a minha gata, portanto). O passatempo dele, depois de ter perdido o medo à gata, era implicar com ela, colocando-se no seu caminho, aos saltos, e voando assim que ela mostrava alguma tenção de saltar. Ficavam nisto algum tempo, até um dos dois se cansar.

A brincadeira acabou num sábado de tarde. Eu estava a ver. O melro saltou para o chão, mesmo à frente dela. Depois deu um salto para trás. A gata perseguiu-o num passo lento, de rainha cansada. O melro deu outro salto e foi nesse momento que duas garras afiadas se lhe cravaram no corpo. Um outro gato, sorrateiro, mais pequeno e ágil, tinha estado à espera do pássaro. Depois, pegou no corpo já sem vida do melro e, numa atitude de respeito de filho para a mãe - que o era - , foi depositá-lo à frente da minha gata, que se banqueteou com ele.

Moral da história: não brinques com o destino, que há muito filho da mãe que quer aproveitar-se disso...

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