Este não é um conto, é um micro-conto. Uma ideia espalhada por meia dúzia de parágrafos. A história começará daqui a, exactamente, oitenta anos, dois meses e vinte e sete dias. Nessa época, a grande moda será a extensão cerebral. Para poderem competir num mundo cada vez mais agitado, inserem cirurgicamente implantes que aumentam a capacidade cerebral. Acontece por volta dos dezoito anos. O jovem é levado pelos pais orgulhosos a uma clínica onde escolhem, através de um catálogo informatizado, a profissão do filho. Tudo o que o jovem precisa saber já vem no implante. Eles só precisam escolher, e pagar em conformidade. Isso garante a diversidade de profissões.
No dia em que Abnel fez dezoito anos, os pais ofereceram-lhe um voucher para a clínica. Tinha fundos suficientes para se tornar médico. Mas havia um pequeno problema: o Abnel não queria ser médico. Queria ser artista. Queria transformar o mundo, que se tinha tornado um lugar demasiadamente cinzento e cerebral. Quando chegou à altura, Abnel agarrou, secretamente, num maço de notas que tinha poupado dos seus últimos aniversários (dinheiro suficiente para comprar um bom carro) e foi com os pais à clínica. Lá escolheram o implante para o filho. Ele seria médico, tal como o seu pai. A mãe, chorosa, beijou o filho na face e Abnel lá foi com o médico. Quando estava longe da vista dos pais, Abnel subornou o médico. A operação tinha corrido mal. Seria esta a versão contada aos pais de Abnel. Este não podia receber um implante.
“Um idiota? O meu filho vai ser um idiota?”, perguntou o pai de Abnel, perfeitamente incrédulo com o que se estava a passar. A esposa, entretanto, tinha desmaiado.
O médico assegurou que Abnel teria uma vida perfeitamente normal. Antigamente, disse ele, ninguém tinha implantes e sobreviviam. Mas o pai de Abnel não queria saber disso. O filho nunca seria ninguém na vida.
Mas enganava-se. O filho tornou-se o artista mais conceituado naquele tempo e levou a que os implantes fossem, progressivamente, caindo em desuso.
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