“Sempre” não é tempo suficiente
para que te consiga ler o olhar e saber tudo o que és. Preciso de mais: o meu
“sempre”, em matrimónio perfeito com o teu, até que não existam mais ondas para
morrer suavemente na nossa praia, num murmúrio nunca banal. Que saudades do
tempo em que nos enganávamos um ao outro, jurando amor eterno: o amor não pode
ser jurado sem mentir, o passado já passou, o futuro não é nosso, só o presente
é uma surpresa e nos pertence, daí o nome. Só prometo amar-te agora e tentar
acordar todos os dias com a vontade de renovar essa promessa. Provarei todas as
noites uma migalha de ti, satisfazendo a fome que me corrói e regressa logo
depois. Promete-me que nunca serás absolutamente minha, tal como nunca serei completamente
teu: serás a minha conquista de todos os dias, redescobrindo-te ao primeiro
raio de sol; seduz-me a cada manhã, como se fosse a primeira vez. Dá-me como
presente um presente sempre diferente, a cada sorriso quente com que me recebes,
quando volto do trabalho e a cada beijo apaixonado que partilhamos quando
pensamos que o silêncio é nosso. À noite, quando nos deitamos, misturamos os
corpos e sonhamos o mesmo sonho, como devem ser sempre os sonhos das pessoas
apaixonadas, prontas e expectantes para transformar o amanhã num novo presente.
Sempre.
quinta-feira, 1 de agosto de 2013
segunda-feira, 29 de julho de 2013
Texto 7
Nunca deixar morrer o sonho é o
primeiro passo para sermos felizes. Mesmo que o mundo dos outros nos berre e
nos deixe sozinhos no caminho, com um rasto deixado pelos nossos erros e
fragmentos dos sonhos perdidos. Somos nós que desenhamos o horizonte do nosso
mundo e prendemos as amarras aos mundos dos outros, aqueles que vemos construir
os seus mundos pessoais à distância e que nos enriquecem a existência.
Nasci com o meu mundo vazio,
impoluto, com uma única e grande amarra a ligar-me ao ser que me deu a vida,
uma corda de titânio indestrutível, construída ainda no seu interior, quando
compúnhamos uma única pessoa. Depois de nascer, construí outra grande ligação.
Do meu pequeno mundo observava os seus dois mundos, ligados também entre si por
uma amarra, mais ou menos estável, que se renovava diariamente. Desde o
primeiro momento comecei a construir o meu mundo, observando e aprendendo como os
meus pais cuidavam e melhoravam os seus próprios mundos pessoais, ajustando os horizontes
em função da minha existência.
Durante a infância construí montes
e planícies, neste meu mundo pessoal, fazendo um lento percurso através deles,
percurso esse que ainda hoje continuo. Ao longo da caminhada, neste solo de
areia macia com partes dolorosas de granito cortante, construo as amarras aos
mundos de familiares e de amigos que entram e saem da minha vida, deixando
sempre algo deles próprios como rastos de amarras antigas. Nesta altura começo a
definir os meus horizontes, sempre muito altos. Com a idade, aprendo a baixá-los.
Já não sonho ser astronauta, quero ser médico. Depois, quando os sonhos começam
a perder-se, dissolvidos pela crueza da realidade, baixo ainda mais os
horizontes. Ou melhor, aprendo a elevá-los: quero apenas ser feliz e germinar novas
amizades, infinitamente sólidas e enriquecedoras. Os seus mundos brilhantes
gravitam ao lado dos pequenos mundos individuais dos animais de estimação que
me rodearam e rodeiam: o dos cães tem no centro uma árvore e um terreno para
escavar; o dos gatos tem apenas um novelo de lã e uma caixa de cartão vazia. As
suas amarras são fortes, duras como o aço e perduram muito além da sua vida.
Podemos desistir dos nossos
sonhos e ambições. Passar a viver apenas pelo gosto da caminhada, nos nossos
mundos pessoais, apreciando cada passo de uma forma quase orgásmica. O que não
podemos é deixar de caminhar, mesmo que já não tenhamos força nas pernas.
Nunca.
quarta-feira, 24 de julho de 2013
Texto 6
Porque a
solidão existe. Perfura-nos. Congela-nos num estado embrionário, granítico. É
como uma casca que nos envolve e que só a vontade dos outros pode quebrar. A
tua vontade. A tua existência. A tua imagem. Simples, deslumbrante. Cada gesto
com que rasgas suavemente o ar, sinto que é para mim. O meu teatro pessoal,
onde és a actriz principal de uma peça que eu sempre esperei – nela representas
para mim, só para mim, em todos os dias em que te vejo, e também nos outros em
que só habitas os meus sonhos. Só tu existes. Que se cale o mundo cego que só
vê as diferenças, quando eu nem o tempo sinto quando estás perto. Que interessa
se nasci antes, se nasci para te embalar a alma e te fazer rir e te limpar as lágrimas.
Anda. Apanhemos o sonho das 7h30. Não, é muito cedo: gostas de dormir até
tarde. Será antes o das 11h15, o dos bancos forrados a veludo. Levamos os
nossos livros. Não. Não precisamos de livros: eu leio-te, e tu lês-me. Só o teu
livro me interessa. Não me interessam os poemas, quando o meu poema és tu, a rima
incerta que invade o meu mundo e me rompe a casca dessa solidão onde me
escondi, onde me escondo de um mundo que já não percebe nada de amor, apenas da
confusão dos corpos. Porque o amor puro é a minha única dádiva, sincera e
absoluta. És tu. Sempre foste. Espalho o que sinto num rectângulo de papel A4.
Imaculado. Como tu.
terça-feira, 9 de julho de 2013
Ilusão
“Amo-te, Rosinha.”
O velho berrava ao telemóvel que
alguém tinha posto em alta-voz, na barbearia. Do outro lado, uma voz feminina
retribuiu e depois desligou. O barbeiro faz-me sinal: é a minha vez. Passo pelo
velho enquanto me sento, o olhar iluminado, enquanto contava a sua história,
espicaçado pelos barbeiros.
“Conheci-a na loja. Fiquei imediatamente
apaixonado. Fizemo-lo de pé.”
“E depois Celestino, o que aconteceu
nove meses depois?”, pergunta o barbeiro, a navalha a raspar-me a pele do
pescoço.
“Depois, nasceu o Celestininho e a
irmã. Fiz-lhe dois gémeos!”
O barbeiro limpa-me um pedaço de
espuma no canto da boca, enquanto lhe pergunta: “E depois, o que aconteceu na
garagem?”
O velho eleva ainda mais a voz.
“Quando estive com ela na garagem, fiz-lhe mais dois filhos!”
O barbeiro ri-se.
“Dois casais de gémeos, Celestino.
Você tem cá uma força! E cante baixinho o que lhe cantou na sacada.”
Pelo espelho, vejo o Celestino emproar-se
e começar a cantar um fado, o Xaile da
minha mãe. Tem boa voz, devo reconhecer. O barbeiro pega no telemóvel,
marca um número, põe em alta-voz e passa-o ao Celestino: “Cante para ela,
Celestino!”.
Do outro lado do telemóvel, ouço uma
voz de mulher. Ele distancia-se, enquanto recomeça o fado triste, ainda com
mais fôlego.
“Pobre coitado”, sussurra o barbeiro,
“Antes, andava deprimido, queria matar-se. Depois inventou que tinha uma
amante. Nós ajudamos na mentira, espicaçamo-lo. É assim que ele é feliz.”
“E a voz ao telemóvel?”
“É um mendigo que gosta de se meter
com ele. Imita bem a voz de mulher.”
Entra mais um cliente na barbearia.
Celestino desconcentra-se, a voz fica trémula, por fim cala-se. Por momentos
vejo-o como ele é: um homem solitário que vive na mentira. Não: um homem
solitário que os outros gostam que viva na mentira. Sem saber, é o maior motivo
de gozação do sítio. Ou mesmo sabendo. É assim que se é feliz, quando se perde
a noção do que é a realidade.
Enquanto
volto para casa, mais leve, não consigo esquecer este momento. O que será
melhor: sobreviver na triste realidade, ou viver uma mentira feliz?
sexta-feira, 19 de abril de 2013
Como sair do buraco, em 10 lições
Afundo-me lentamente num buraco. É
essa a sensação que tenho: preso a mim próprio, longe de tudo, com vontade de
me afastar do que sou. Nada me interessa. O horizonte parece-me longínquo. Lá
fora o sol pode brilhar para os outros, mas cá dentro o escuro impera,
prende-me os movimentos e a alma. Não importa os motivos que me prenderam aqui,
no meu buraco pessoal. É meu. Cuscos! Se quiserem ter o vosso buraco pessoal,
esqueçam os vossos sonhos, anulem os vossos objectivos de vida, as casas, os
carros e o dinheiro. Deitem fora os contactos dos amigos e regulem a vossa
auto-estima para o nível mínimo. Ou melhor, desliguem-na. Tornem-se
espectadores, inconfortavelmente sentados, das alegrias alheias, enquanto escavam
lentamente o vosso próprio buraco pessoal. Aquele em que se enterraram em vida,
sem terem direito a flores, aquele em que se isolaram do mundo exterior, sem
repararem que o mundo exterior é, na realidade vocês, convencidos que são os
restos da sociedade.
Querem saber como sair do buraco em
10 lições?
Cá vai:
Lição número 1: não existe buraco. Também não
existem pessoas que sejam 100% felizes. Quando muito podem esforçar-se muito
para o parecer. Todos têm os seus problemas, até o homem mais rico do mundo os
tem. Aprende a viver com esses mesmos problemas, mas nunca pares de sonhar.
Procura o teu lugar no mundo. Aprende uma coisa diferente todos os dias, até
encontrares aquilo que te faz feliz e dedica-lhe todas as tuas forças, sempre
com a noção de que vão existir sempre problemas. Rodeia-te de bons amigos, que
te compreendem e te aliviam a carga. Liberta-te de tudo o que está a mais na
tua vida. Ama. Ama com fartura. O coração é mais inteligente que o cérebro, e
sabe bem o caminho que pretendes. Escuta-o e procura quem o queira escutar. Não
encontrarás a felicidade no teu buraco pessoal, mas pode ser que a encontres dentro
do buraco pessoal de outras pessoas que tenham, também elas, reduzido
dramaticamente o seu nível da auto-estima. Ajuda-as a ser feliz. Porque a auto-estima
tem esta coisa curiosa: alimenta-se da auto-estima das pessoas que te rodeiam,
e cresce quando as fazes felizes.
Lição Número 2: não existem mais lições. Ninguém
te vai ensinar a ser feliz, muito menos um texto parvo como este. É um caminho
que tens de percorrer a solo, sempre com o ouvido no coração (recomendo um
estetoscópio, um curso avançado de Yoga ou alguém com bom ouvido que te queira
acompanhar – dá sempre prioridade a esta última opção). Sempre que precisares
de mais textos parvos para te aliviar o percurso, eu estarei aqui, sentado
inconfortavelmente no meu buraco pessoal.
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