terça-feira, 9 de julho de 2013

Ilusão


“Amo-te, Rosinha.”
O velho berrava ao telemóvel que alguém tinha posto em alta-voz, na barbearia. Do outro lado, uma voz feminina retribuiu e depois desligou. O barbeiro faz-me sinal: é a minha vez. Passo pelo velho enquanto me sento, o olhar iluminado, enquanto contava a sua história, espicaçado pelos barbeiros.
“Conheci-a na loja. Fiquei imediatamente apaixonado. Fizemo-lo de pé.”
“E depois Celestino, o que aconteceu nove meses depois?”, pergunta o barbeiro, a navalha a raspar-me a pele do pescoço.
“Depois, nasceu o Celestininho e a irmã. Fiz-lhe dois gémeos!”
O barbeiro limpa-me um pedaço de espuma no canto da boca, enquanto lhe pergunta: “E depois, o que aconteceu na garagem?”
O velho eleva ainda mais a voz. “Quando estive com ela na garagem, fiz-lhe mais dois filhos!”
O barbeiro ri-se.
“Dois casais de gémeos, Celestino. Você tem cá uma força! E cante baixinho o que lhe cantou na sacada.”
Pelo espelho, vejo o Celestino emproar-se e começar a cantar um fado, o Xaile da minha mãe. Tem boa voz, devo reconhecer. O barbeiro pega no telemóvel, marca um número, põe em alta-voz e passa-o ao Celestino: “Cante para ela, Celestino!”.
Do outro lado do telemóvel, ouço uma voz de mulher. Ele distancia-se, enquanto recomeça o fado triste, ainda com mais fôlego.
“Pobre coitado”, sussurra o barbeiro, “Antes, andava deprimido, queria matar-se. Depois inventou que tinha uma amante. Nós ajudamos na mentira, espicaçamo-lo. É assim que ele é feliz.”
“E a voz ao telemóvel?”
“É um mendigo que gosta de se meter com ele. Imita bem a voz de mulher.”
            Entra mais um cliente na barbearia. Celestino desconcentra-se, a voz fica trémula, por fim cala-se. Por momentos vejo-o como ele é: um homem solitário que vive na mentira. Não: um homem solitário que os outros gostam que viva na mentira. Sem saber, é o maior motivo de gozação do sítio. Ou mesmo sabendo. É assim que se é feliz, quando se perde a noção do que é a realidade.

            Enquanto volto para casa, mais leve, não consigo esquecer este momento. O que será melhor: sobreviver na triste realidade, ou viver uma mentira feliz?