“Amo-te, Rosinha.”
O velho berrava ao telemóvel que
alguém tinha posto em alta-voz, na barbearia. Do outro lado, uma voz feminina
retribuiu e depois desligou. O barbeiro faz-me sinal: é a minha vez. Passo pelo
velho enquanto me sento, o olhar iluminado, enquanto contava a sua história,
espicaçado pelos barbeiros.
“Conheci-a na loja. Fiquei imediatamente
apaixonado. Fizemo-lo de pé.”
“E depois Celestino, o que aconteceu
nove meses depois?”, pergunta o barbeiro, a navalha a raspar-me a pele do
pescoço.
“Depois, nasceu o Celestininho e a
irmã. Fiz-lhe dois gémeos!”
O barbeiro limpa-me um pedaço de
espuma no canto da boca, enquanto lhe pergunta: “E depois, o que aconteceu na
garagem?”
O velho eleva ainda mais a voz.
“Quando estive com ela na garagem, fiz-lhe mais dois filhos!”
O barbeiro ri-se.
“Dois casais de gémeos, Celestino.
Você tem cá uma força! E cante baixinho o que lhe cantou na sacada.”
Pelo espelho, vejo o Celestino emproar-se
e começar a cantar um fado, o Xaile da
minha mãe. Tem boa voz, devo reconhecer. O barbeiro pega no telemóvel,
marca um número, põe em alta-voz e passa-o ao Celestino: “Cante para ela,
Celestino!”.
Do outro lado do telemóvel, ouço uma
voz de mulher. Ele distancia-se, enquanto recomeça o fado triste, ainda com
mais fôlego.
“Pobre coitado”, sussurra o barbeiro,
“Antes, andava deprimido, queria matar-se. Depois inventou que tinha uma
amante. Nós ajudamos na mentira, espicaçamo-lo. É assim que ele é feliz.”
“E a voz ao telemóvel?”
“É um mendigo que gosta de se meter
com ele. Imita bem a voz de mulher.”
Entra mais um cliente na barbearia.
Celestino desconcentra-se, a voz fica trémula, por fim cala-se. Por momentos
vejo-o como ele é: um homem solitário que vive na mentira. Não: um homem
solitário que os outros gostam que viva na mentira. Sem saber, é o maior motivo
de gozação do sítio. Ou mesmo sabendo. É assim que se é feliz, quando se perde
a noção do que é a realidade.
Enquanto
volto para casa, mais leve, não consigo esquecer este momento. O que será
melhor: sobreviver na triste realidade, ou viver uma mentira feliz?