terça-feira, 17 de janeiro de 2012

O pardal preguiçoso

  Vou contar a história de um pardal preguiçoso. Dei-lhe o nome da história, agora não há volta a dar. Ele tinha dois irmãos, o pardal Inteligente, que arranjava sempre forma de roubar a comida dos irmãos, e o pardal Corajoso, que estava sempre a tentar meter-se em sarilhos e que foi o primeiro a sair do ninho. Ou melhor, foi o primeiro a cair do ninho, mas a coisa até correu bem e quando deu por ela já voava pelos campos. Depois foi o Inteligente, muito atento ao que aconteceu ao irmão, observava como batia as asas e descobriu o truque. Saiu do ninho logo a seguir, batendo as asas com grande mestria, para grata surpresa dos pais.

  Mas com o pardal Preguiçoso a coisa não aconteceu assim - melhor dizendo, não aconteceu. Não queria nem por nada sair do ninho. Bem que olhava para os irmãos, mas não se atrevia a tentar voar. Limitava-se a abrir o bico a pedir comida, o que resultou até ao dia em que os pais se fartaram com aquela situação. Vendo-se em apuros, o pardal olhou para o chão, abriu as asas, mas no último momento desistiu. Quando a fome apertou, saiu do ninho e começou a pular pelo ramo da árvore, descobrindo insectos que podia comer - e passou a alimentar-se daquela forma, pulando sempre. Descobriu que podia abrir pequenos buracos na madeira afiando as garras, e com os dias a passar foi ficando com as pernas mais fortes e as garras mais afiadas de que havia memória entre os pardais.

  Entretanto os seus irmão voavam perto da árvore onde ficava o ninho, e o pardal Preguiçoso começava a sentir alguma inveja deles, mas não se atirava do ramo da sua árvore. Ainda por cima estava cada vez mais forte, para quê se aventurar, se tinha tanto que comer no seu próprio ramo?

  Até que um dia tudo se alterou. Um gato, que à espreita já se tinha dado conta de que havia dois pardalitos sempre à volta de uma árvore, imaginou uma armadilha. Deitou alguns pedaços de pão para o chão e escondeu-se. O pardal Corajoso foi o primeiro a poisar na comida e começar a debicar. O pardal Inteligente deu algumas voltas, estranhando tanta abundância, mas como não deu pelo gato, poisou também, e ao lado do seu irmão e começou a debicar. O gato saltou então, pondo uma pata em cima de cada um dos pardais. Começava a preparar-se para emborcar o Corajoso, quando o Preguiçoso, que tinha visto tudo do seu ramo, lhe caiu em cheio em cima do focinho, abrindo-lhe uma feia ferida com as suas garras afiadas. O gato deu um grande salto, miando de dor, e até hoje nunca mais foi visto por ali.

  Como paga, os dois irmãos ensinaram o Preguiçoso a voar...


sábado, 7 de janeiro de 2012

Dois pensamentos

Isto não é um conto, é mais um pensamento. Aliás, dois. Somos seres vivos, feitos de matéria. Simples. Átomos que se juntaram em moléculas, que formaram células, que se juntaram em tecidos, que formam orgãos capazes de suportar a vida. Parece-nos simples. A maior parte de nós atravessa a sua existência sem se deter para pensar nisto. Vivem sem ter a consciência de que estão vivos, e no privilégio que isso representa - sem ter consciência de que todas as nossas células conspiram para um único fim, o de nos manter vivos.
O segundo pensamento ainda é mais complexo. Dizem os peritos que toda a matéria teve origem num único momento, ao qual deram o nome de Big Bang, com a mania que os peritos têm de dar nomes a tudo o que se mexe e fica parado. Todos nós somos feitos da mesma matéria das estrelas, que é usada e reciclada através dos tempos, assumindo diversas formas.
É um pensamento estranho. Partes de mim já fizeram parte de outros seres. Os átomos que compõem o meu corpo habitaram outras formas de vida, que por sua vez já tinham feito parte de outros corpos. Eu sou composto por outras vidas. Centenas de milhares de outras vidas. Que por sua vez também partilharam a sua matéria com outras centenas de milhares de vidas, numa trama que existe desde o início da vida.
Somos feitos do pó das estrelas, partilhamos todos da mesma matéria e tudo conspira para que permaneçamos vivos.
E mesmo assim ainda não aprendemos a respeitar-nos uns aos outros....