quinta-feira, 30 de agosto de 2012

O Vestido


            O vestido foi tirado do guarda-fatos com cuidado, como era hábito todos os anos. O tempo amarelecera o cetim e as rendas, que originalmente tinham uma cor branca. Tresandava a naftalina. As mesmas mãos que o tinham feito pegavam nele e colocavam-no ao sol. Depois procurava (agora a custo) qualquer buraco que a traça tivesse feito e reparavam-no com linha pérola. Aquele ritual repetia-se a todas as primaveras, desde há cinquenta anos. Tinha sido feito pela modista onde trabalhara, e ela própria ajudara na sua confecção. Depois, no grande dia, vestiu-o com todo o cuidado, de uma forma lenta e metódica, ajudada pela mãe e pelas tias. O vestido sentiu-lhe o nervosismo e a ânsia, o coração a ameaçar rebentar, no momento do “sim”, no momento da união das suas vidas; mais tarde sentiu a pressa com que foi despido, na ânsia da união dos corpos. Depois, foi guardado. O seu dia tinha terminado – antevia uma vida inteira guardado, como recordação, no guarda-fatos. Mas não: todos os anos ela o tirava com afinco, mostrava-o à filha, com evidente carinho, alimentando o sonho de ela o usar no seu casamento. Porém, quando chegou o seu grande dia, a filha preferiu um outro vestido, mais moderno, comprado num pronto-a-vestir. Não demorou muito tempo que aparecesse outra menina na família, e a avó mostraria, também a ela, o vestido. Não alimentava, no entanto, o sonho de ver a neta casar com o seu vestido, cada vez mais amarelecido pelo tempo. Seria a pequena a decidir. Cresceu, fez-se mulher. Já decidiu.
O vestido foi tirado do guarda-fatos com todo o cuidado, como era velho hábito, mas ao contrário dos outros anos, nos quais retornava com igual cuidado ao guarda-fatos, desta vez foi experimentado pela neta. O vestido sentiu-lhe a mesma ânsia que sentira na avó, o coração aos pulos, o nervosismo, a vontade de quem quer iniciar uma nova etapa na sua vida. A rapariga viu-se ao espelho, o coração acelerou ainda mais e abraçou a avó emocionada, que não conseguiu evitar que caísse uma lágrima no vestido. No sítio onde caiu a lágrima ficou uma mancha branca, do mesmo branco que tinha há cinquenta anos atrás, mas a neta não se importou: diria, mesmo assim, o “sim”.


Autor: Jorge Santos
Texto 9 - 13º Campeonato de Escrita Criativa