Ele colocou o boneco feito de papel em
cima do banco de jardim. Estava sentado, olhando para o pequeno lago. Depois,
José deu dois passos para trás para admirar melhor a sua obra. Satisfeito,
continuou o seu passeio.
Mais à frente, pegou numa folha do seu
caderno de Origamis (faltavam poucas, não tinha dinheiro para comprar mais),
dobrou-a com toda a paciência habitual de quem tinha esse vício desde
adolescente e colocou o resultado final - uma flor de papel - no chão.
Estava a semear Origamis pelo jardim
público, como se fosse o novelo que Teseu desenrolou para conseguir saber o
caminho de saída do labirinto do Minotauro – mas José desconhecia a lenda
grega: sentira necessidade de deixar o seu rasto no jardim (ou no mundo?), por
alguma razão estranha. Aquele seu hábito dava com a mulher em doida: por toda a
casa tinha pequenas miniaturas de papel dobrado. Desde que a empresa o tinha
dispensado, não fazia outra coisa. Estava tantos anos num emprego de que não
gostava, mas quando se viu sem ele, ficou admirado com a falta que sentia. Antes
um emprego de que não gostava, do que nenhum emprego para não gostar.
Andou mais uns passos e tirou mais uma
folha. Dobrou-a para formar uma criança pequena. Depois colocou-a no chão. Representava
o filho pequeno, a quem José ensinara a fazer pequenas dobras, para alegria do
petiz (que no entanto preferia as longas horas a torrar o seu pequeno cérebro à
frente de uma televisão – José ficava louco por isto).
Atirou ao lixo o caderno, agora vazio
de folhas, e foi-se sentar no banco de jardim. Tirou um papel do bolso, uma
carta que indicava o fim do pagamento do subsídio de desemprego. Releu-a pela
décima vez: precisava de uma luz para voltar a ter esperança. Tinha piada que
um papel lhe tivesse terminado a vida, quando tinha passado a vida a dobrar
papéis.
Uma menina ficou à sua frente, magra,
ar sorridente. Nas mãos tinha os Origamis que José tinha espalhado por todo o
jardim.
“Gostas?”, perguntou ele.
Ela disse que sim, com a cabeça. Uma
mulher aproximou-se, mas ficou a alguma distância, como se não quisesse
interromper a nossa conversa. José cumprimentou-a com um ligeiro acenar de
cabeça, depois voltou a sua atenção para a menina.
“Queres
que te ensine a fazer um?”, perguntou. A menina não disse nada, mas o seu olhar
faiscou e o sorriso abriu-se ainda mais. José pegou no único papel que tinha, a
comunicação do fim do seu Subsídio de Desemprego, e ensinou a menina a fazer as
dobras de um pato, a figura mais simples que sabia fazer. A menina tentou uma e
outra vez, até conseguir fazer um pato, mais ou menos convincente.
“Está
muito bem feito. Queres que te ensine a fazer outro?”
A
menina disse “Sim”, de uma forma quase inaudível. Isso causou alguma agitação
na mulher, que se aproximou ligeiramente. José desfez a figura do pato e ensinou
a menina a fazer um sapo. Depois ela foi brincar com o sapo de papel, saltando
por todo o jardim, sem nunca se afastar da mulher, que se aproximou de José.
“O
que fez foi fantástico”, disse-lhe ela.
“Não
foi nada. Qualquer um sabe dobrar papel”
Ela
riu-se.
“Não.
Vou explicar. Esta menina não fala há um ano, desde que perdeu os pais num
acidente de viação. E tenho outras crianças na mesma situação.”, disse ela,
explicando depois que era terapeuta e que fazia a reabilitação de crianças
traumatizadas.
“Posso
fazer-lhe uma proposta de trabalho?”, disse ela. José disse que sim, com um
sorriso aberto, estranhamente parecido com os Origamis que fazia: tinha
encontrado a sua Luz.