sábado, 4 de agosto de 2012

Origami


Ele colocou o boneco feito de papel em cima do banco de jardim. Estava sentado, olhando para o pequeno lago. Depois, José deu dois passos para trás para admirar melhor a sua obra. Satisfeito, continuou o seu passeio.
Mais à frente, pegou numa folha do seu caderno de Origamis (faltavam poucas, não tinha dinheiro para comprar mais), dobrou-a com toda a paciência habitual de quem tinha esse vício desde adolescente e colocou o resultado final - uma flor de papel - no chão.
Estava a semear Origamis pelo jardim público, como se fosse o novelo que Teseu desenrolou para conseguir saber o caminho de saída do labirinto do Minotauro – mas José desconhecia a lenda grega: sentira necessidade de deixar o seu rasto no jardim (ou no mundo?), por alguma razão estranha. Aquele seu hábito dava com a mulher em doida: por toda a casa tinha pequenas miniaturas de papel dobrado. Desde que a empresa o tinha dispensado, não fazia outra coisa. Estava tantos anos num emprego de que não gostava, mas quando se viu sem ele, ficou admirado com a falta que sentia. Antes um emprego de que não gostava, do que nenhum emprego para não gostar.
Andou mais uns passos e tirou mais uma folha. Dobrou-a para formar uma criança pequena. Depois colocou-a no chão. Representava o filho pequeno, a quem José ensinara a fazer pequenas dobras, para alegria do petiz (que no entanto preferia as longas horas a torrar o seu pequeno cérebro à frente de uma televisão – José ficava louco por isto).
Atirou ao lixo o caderno, agora vazio de folhas, e foi-se sentar no banco de jardim. Tirou um papel do bolso, uma carta que indicava o fim do pagamento do subsídio de desemprego. Releu-a pela décima vez: precisava de uma luz para voltar a ter esperança. Tinha piada que um papel lhe tivesse terminado a vida, quando tinha passado a vida a dobrar papéis.
Uma menina ficou à sua frente, magra, ar sorridente. Nas mãos tinha os Origamis que José tinha espalhado por todo o jardim.
“Gostas?”, perguntou ele.
Ela disse que sim, com a cabeça. Uma mulher aproximou-se, mas ficou a alguma distância, como se não quisesse interromper a nossa conversa. José cumprimentou-a com um ligeiro acenar de cabeça, depois voltou a sua atenção para a menina.          
            “Queres que te ensine a fazer um?”, perguntou. A menina não disse nada, mas o seu olhar faiscou e o sorriso abriu-se ainda mais. José pegou no único papel que tinha, a comunicação do fim do seu Subsídio de Desemprego, e ensinou a menina a fazer as dobras de um pato, a figura mais simples que sabia fazer. A menina tentou uma e outra vez, até conseguir fazer um pato, mais ou menos convincente.
            “Está muito bem feito. Queres que te ensine a fazer outro?”
            A menina disse “Sim”, de uma forma quase inaudível. Isso causou alguma agitação na mulher, que se aproximou ligeiramente. José desfez a figura do pato e ensinou a menina a fazer um sapo. Depois ela foi brincar com o sapo de papel, saltando por todo o jardim, sem nunca se afastar da mulher, que se aproximou de José.
            “O que fez foi fantástico”, disse-lhe ela.
            “Não foi nada. Qualquer um sabe dobrar papel”
            Ela riu-se.
            “Não. Vou explicar. Esta menina não fala há um ano, desde que perdeu os pais num acidente de viação. E tenho outras crianças na mesma situação.”, disse ela, explicando depois que era terapeuta e que fazia a reabilitação de crianças traumatizadas.
            “Posso fazer-lhe uma proposta de trabalho?”, disse ela. José disse que sim, com um sorriso aberto, estranhamente parecido com os Origamis que fazia: tinha encontrado a sua Luz.