Pressenti-o
muito antes de me ter visto. Vinha na minha direcção, o destino era inevitável.
Parou no cimo da ladeira. Sentia-lhe a pulsação a acelerar, porque nós, árvores,
somos mais do que parecemos à primeira vista: Deus tirara-nos a mobilidade em
troca da capacidade inata de sentir os outros seres vivos. Sentira no passado a
alegria das outras árvores, minhas irmãs, pela chegada da Primavera e pelo
despontar dos rebentos das primeiras folhas. Também eu partilhara com elas o
tímido nascer das minhas próprias folhas e a alegria de renascer a cada
Primavera, encafuada no meu buraco no meio da montanha, onde raramente via o
sol. Essa mesma capacidade de comunicação tinha-me permitido sentir a dor da
morte das minhas irmãs, o frio das máquinas, o gotejar da seiva derramada – foi,
portanto, com resignação que me preparei para sofrer o mesmo fim das minhas
irmãs, serradas em blocos e levadas para longe, para onde já não as podia
sentir. Aqueles pedaços de madeira ainda tinham sentimentos, mesmo quando eram torturados
para fazer mobílias, alimentavam o fogo dos humanos ou eram processados com
ácido para fazer o papel dos livros que ninguém lia.
Se
antes sentia as minhas irmãs perto, com o tempo elas foram desaparecendo,
levadas em grandes e ruidosos veículos conduzidos por humanos. Sempre pensara
que os humanos tinham grandes desígnios para a terra despojada de árvores, mas
eles limitavam-se a cultivar plantas insatisfeitas, que chupavam a vida da
terra e a deixava infértil. Quando constatavam a infertilidade dos solos, as
terras eram inevitavelmente remetidas ao abandono.
Com o tempo haveria mais árvores -
pensava eu com os meus ramos -, mas isso não acontecia. Não havia mais árvores,
apenas eu, enfiada num buraco de difícil acesso, que o homem descia agora com cuidado.
Senti que na sua mão trazia algo, talvez uma ferramenta igual à que tinha
assassinado as minhas irmãs – preparei-me para o pior. O coração do homem
acelerava à medida que se aproximava de mim, como se o abate de uma árvore insignificante
como eu fosse um grande desafio. Parou; cortou um pequeno ramo; acariciou as
minhas folhas e partiu, subindo, com algum custo, a ladeira.
Outros homens vieram, passados alguns
dias, mas eu já não tinha medo. Percebia o que diziam, deixando-me imensamente
feliz: do meu pequeno ramo iriam fazer novas árvores que reflorestariam o
mundo.
Autor: Jorge Santos
Texto 4 - 11º Campeonato de Escrita Criativa
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