terça-feira, 21 de agosto de 2012

A Última Árvore


            Pressenti-o muito antes de me ter visto. Vinha na minha direcção, o destino era inevitável. Parou no cimo da ladeira. Sentia-lhe a pulsação a acelerar, porque nós, árvores, somos mais do que parecemos à primeira vista: Deus tirara-nos a mobilidade em troca da capacidade inata de sentir os outros seres vivos. Sentira no passado a alegria das outras árvores, minhas irmãs, pela chegada da Primavera e pelo despontar dos rebentos das primeiras folhas. Também eu partilhara com elas o tímido nascer das minhas próprias folhas e a alegria de renascer a cada Primavera, encafuada no meu buraco no meio da montanha, onde raramente via o sol. Essa mesma capacidade de comunicação tinha-me permitido sentir a dor da morte das minhas irmãs, o frio das máquinas, o gotejar da seiva derramada – foi, portanto, com resignação que me preparei para sofrer o mesmo fim das minhas irmãs, serradas em blocos e levadas para longe, para onde já não as podia sentir. Aqueles pedaços de madeira ainda tinham sentimentos, mesmo quando eram torturados para fazer mobílias, alimentavam o fogo dos humanos ou eram processados com ácido para fazer o papel dos livros que ninguém lia.
            Se antes sentia as minhas irmãs perto, com o tempo elas foram desaparecendo, levadas em grandes e ruidosos veículos conduzidos por humanos. Sempre pensara que os humanos tinham grandes desígnios para a terra despojada de árvores, mas eles limitavam-se a cultivar plantas insatisfeitas, que chupavam a vida da terra e a deixava infértil. Quando constatavam a infertilidade dos solos, as terras eram inevitavelmente remetidas ao abandono.
Com o tempo haveria mais árvores - pensava eu com os meus ramos -, mas isso não acontecia. Não havia mais árvores, apenas eu, enfiada num buraco de difícil acesso, que o homem descia agora com cuidado. Senti que na sua mão trazia algo, talvez uma ferramenta igual à que tinha assassinado as minhas irmãs – preparei-me para o pior. O coração do homem acelerava à medida que se aproximava de mim, como se o abate de uma árvore insignificante como eu fosse um grande desafio. Parou; cortou um pequeno ramo; acariciou as minhas folhas e partiu, subindo, com algum custo, a ladeira.
            Outros homens vieram, passados alguns dias, mas eu já não tinha medo. Percebia o que diziam, deixando-me imensamente feliz: do meu pequeno ramo iriam fazer novas árvores que reflorestariam o mundo.

Autor: Jorge Santos
Texto  4 - 11º Campeonato de Escrita Criativa