terça-feira, 21 de agosto de 2012

O silêncio da noite


            Pedem-me que descreva o que ouço, à uma hora da manhã; logo a mim, que tenho o privilégio de nada ouvir a essa hora. Presto especial atenção, para não pensarem que sou especialmente mal-agradecido, e confirmo: não ouço nada, silêncio absoluto. Ao longe, passa um avião que tem o real desplante, a verdadeira desfaçatez, de tentar invadir este texto: tanto espaço aéreo e tinha de vir mostrar o seu roncar, neste preciso momento, ao longe, mesmo por cima da minha cabeça. Típico: voa carregado de gente e de coisas, vem de parte incerta e vai para alguma parte, poluindo tudo pelo caminho – é, no mínimo, justo que se dê pelo seu esforço.
            No silêncio da noite ouve-se o Nada, os meus ouvidos queixam-se de nada ouvir e começam a gritar num zumbido, que tem tanto de estridente como de irritante. Quando terminar este texto, colocarei os auscultadores (os mesmos que eventualmente me terão causado este mesmo zumbido), e satisfarei a sua necessidade de barulho – parecem dois bebés mimados, incessantemente à espera de atenção.
Além desse zumbido incómodo, na minha cabeça ouço uma voz, que hoje parece estar rouca – de certo se terá constipado com alguma ideia mais fria que germinou durante a noite –, mas isso não a impede de estar constantemente a falar, sem nunca dizer algo de realmente interessante. Essa é uma das características mais aborrecidas das nossas vozes interiores: nunca dizem nada de original, anunciando sempre as razões pelas quais não podemos fazer o que queremos e discursando constantemente sobre o que devíamos estar a fazer, mas não fazemos. Umas verdadeiras chatas que habitam a tempo inteiro as nossas cabeças, sem pagar um único cêntimo de renda.
E que mais ouço? Só o som seco das teclas do portátil, enquanto tento escrever algo de minimamente interessante; depois leio o que escrevo e, constantemente insatisfeito, apago tudo e volto a escrever, até ficar com um resultado final de relativo interesse. O teclado, coitado, é que sofre com a minha crónica indecisão. Devo confessar que tenho alguma pena dele.

Para finalizar: de tudo o que não ouço, noto principalmente a ausência do som mais irritante que, segundo dizem, costuma assombrar esta casa a esta hora; este misterioso som, alegadamente semelhante a uma moto-serra a cortar a dura madeira de carvalho, só aparece quando estou a dormir, segundo dizem – repito –, porque eu, sinceramente, nunca o ouvi.