terça-feira, 21 de agosto de 2012

Vieste, minha besta


            Vieste, minha besta. Não. Recuso-me a apelidar-te de besta, porque estaria a insultar os animais que sabem conquistar a sua presença e pressentem quando a mesma é indesejada. Vieste apenas e, felizmente, só. Ofendeste-nos com o teu visual de quem não é cego mas deveria ser. Feriste as nossas narinas com o teu fedor. Não satisfeito, atentaste contra a nossa inteligência com as tuas supostas piadas – supostas por ti apenas, odiadas pelos outros. E quando te riste, o teu riso confundia-se com uivos de dor de um cão abandonado.
            Vieste, mas além desse crime, que devia ser punido com o isolamento perpétuo e longínquo, cometeste o sacrilégio de tentar dançar, para evidente agonia de todos, porque a tua dança, aberrante, arrogante e abestalhada, incomoda e consome nos outros a vontade – porque ninguém se consegue descontrair quando há um louco perigoso por perto.
            Vieste, mas por favor não voltes, porque o desejo da tua presença só habita em algum lugar recôndito da tua imaginação. Da mesma forma que a doença, que ninguém espera que nos definhe o corpo, assim és tu, que por algum motivo que todos desconhecem, continua em insistir em aparecer desta forma, não convidado, insolente, arrogante. Numa palavra? Não existe uma palavra para descrever o nojo que a tua presença nos mete - a nossa língua é neste campo manifestamente incapaz.
Não, não houve esquecimento da minha parte ou uma falha nos correios. Não houve qualquer motivo idiota que nos fizesse não enviar o convite – o único idiota és tu, e escrevo estas linhas para te recordar desse facto já lembrado o ano passado e que te custa entender, um efeito evidente da senilidade precoce dos teus vinte anos. Portanto aqui vão os factos simples e tristes da vida: não queremos que a tua presença se misture com as nossas; não queremos que venhas; emigra para um sítio afastado onde não haja Internet, para que não tentes sequer enviar mensagens; se morreres, aceita esse facto de forma definitiva, não permitas jamais que a tua alma nos assombre.
Deixa-nos, por favor, apreciar a ausência do teu ser. Rezamos para que no próximo ano nos dês este presente, não mostrando sequer a tua sombra, e, por mais ranho que chores, não nos interessa que seja a tua própria festa de aniversário.

Autor: Jorge Santos
Texto 1 - 11º Campeonato de Escrita Criativa