Vieste,
minha besta. Não. Recuso-me a apelidar-te de besta, porque estaria a insultar
os animais que sabem conquistar a sua presença e pressentem quando a mesma é
indesejada. Vieste apenas e, felizmente, só. Ofendeste-nos com o teu visual de
quem não é cego mas deveria ser. Feriste as nossas narinas com o teu fedor. Não
satisfeito, atentaste contra a nossa inteligência com as tuas supostas piadas –
supostas por ti apenas, odiadas pelos outros. E quando te riste, o teu riso
confundia-se com uivos de dor de um cão abandonado.
Vieste,
mas além desse crime, que devia ser punido com o isolamento perpétuo e
longínquo, cometeste o sacrilégio de tentar dançar, para evidente agonia de
todos, porque a tua dança, aberrante, arrogante e abestalhada, incomoda e consome
nos outros a vontade – porque ninguém se consegue descontrair quando há um
louco perigoso por perto.
Vieste,
mas por favor não voltes, porque o desejo da tua presença só habita em algum
lugar recôndito da tua imaginação. Da mesma forma que a doença, que ninguém
espera que nos definhe o corpo, assim és tu, que por algum motivo que todos
desconhecem, continua em insistir em aparecer desta forma, não convidado,
insolente, arrogante. Numa palavra? Não existe uma palavra para descrever o
nojo que a tua presença nos mete - a nossa língua é neste campo manifestamente
incapaz.
Não, não houve esquecimento da minha
parte ou uma falha nos correios. Não houve qualquer motivo idiota que nos
fizesse não enviar o convite – o único idiota és tu, e escrevo estas linhas
para te recordar desse facto já lembrado o ano passado e que te custa entender,
um efeito evidente da senilidade precoce dos teus vinte anos. Portanto aqui vão
os factos simples e tristes da vida: não queremos que a tua presença se misture
com as nossas; não queremos que venhas; emigra para um sítio afastado onde não
haja Internet, para que não tentes sequer enviar mensagens; se morreres, aceita
esse facto de forma definitiva, não permitas jamais que a tua alma nos assombre.
Deixa-nos, por favor, apreciar a
ausência do teu ser. Rezamos para que no próximo ano nos dês este presente, não
mostrando sequer a tua sombra, e, por mais ranho que chores, não nos interessa
que seja a tua própria festa de aniversário.
Autor: Jorge Santos
Texto 1 - 11º Campeonato de Escrita Criativa