terça-feira, 21 de agosto de 2012

O Nosso Quartel de Férias


            Chegámos à rotunda da Murtosa, depois de termos passado a vasta zona de eucaliptal onde as vendedoras e prostitutas vendiam os respectivos melões; entrámos na minha parte favorita da viagem, longe do aborrecimento da auto-estrada e da humilde civilização de Estarreja: à nossa frente abria-se uma vasta planície pintalgada por extensos campos de milho e terrenos baldios – dir-se-ia estarmos temporariamente na Holanda.
Indiferentes a toda a beleza, os miúdos jogavam nas suas consolas portáteis– houvesse bateria e teríamos sossego. A minha mulher escolhia as músicas -  tinha uma predilecção pelo Pop dos anos 90 -, “Menos mal”, pensava eu, enquanto passávamos pela ponte da Varela.
À nossa frente abria-se o deslumbramento completo que era a Ria, onde a água e a terra se fundiam numa perfeição quase excessiva e os Moliceiros pareciam nascer do seu fundo de propósito para saudar o nosso regresso à Torreira.
Ao contrário dos anos anteriores, tivemos dificuldade em alugar a casa – conseguimos à última hora, numa rua onde nos lembrávamos apenas do Quartel dos Bombeiros. Não fizemos perguntas, sequiosos como estávamos por aqueles quinze dias a gozar os areais extensos, o marisco dos restaurantes típicos e os fins de tarde preguiçosos no Café da Ria; mas logo percebemos o nosso erro: a casa não ficava na rua do Quartel dos Bombeiros – a casa ERA o Quartel dos Bombeiros.
-Vamos embora! - gritou a minha mulher, claramente zangada – Eu vim para descansar!
Os miúdos desligaram as consolas, olharam para o Quartel e berraram em uníssono: - Fixe!
Dois rapazes, da idade dos meus filhos, apareceram, a princípio tímidos mas logo perdendo a timidez, e desencaminharam a Sofia e o Filipe para um jogo, no pequeno parque que ficava à frente.
Um bombeiro, que fumava junto à porta, anunciou que eram filhos dele. Aproximámo-nos.
- Bom dia. – cumprimentei eu, estendendo a minha mão que ele apertou como o aço aperta um pedaço de borracha.
- Já vi que vieram enganados…esperavam outra coisa… – disse ele, sorriso aberto,  –… mas posso assegurar que está tudo impecável. Mas se quiserem, devolvemos o dinheiro. Há sempre gente a querer a casa.
Olhei para a minha mulher – ela tinha o olhar perdido nos miúdos que brincavam no parque, esquecidos, pela primeira vez há muito tempo, das suas enervantes consolas portáteis.
 - Ficamos, querido… – sentenciou ela, por fim – … viemos para descansar…

Durante os anos seguintes, não passaríamos sem uma quinzena no nosso quartel de férias. 



Autor: Jorge Santos
Texto 5 - 11º Campeonato de Escrita Criativa