Chegámos
à rotunda da Murtosa, depois de termos passado a vasta zona de eucaliptal onde
as vendedoras e prostitutas vendiam os respectivos melões; entrámos na minha
parte favorita da viagem, longe do aborrecimento da auto-estrada e da humilde
civilização de Estarreja: à nossa frente abria-se uma vasta planície pintalgada
por extensos campos de milho e terrenos baldios – dir-se-ia estarmos temporariamente
na Holanda.
Indiferentes a toda a beleza, os
miúdos jogavam nas suas consolas portáteis– houvesse bateria e teríamos
sossego. A minha mulher escolhia as músicas - tinha uma predilecção pelo Pop dos anos 90 -, “Menos
mal”, pensava eu, enquanto passávamos pela ponte da Varela.
À nossa frente abria-se o
deslumbramento completo que era a Ria, onde a água e a terra se fundiam numa
perfeição quase excessiva e os Moliceiros pareciam nascer do seu fundo de
propósito para saudar o nosso regresso à Torreira.
Ao contrário dos anos anteriores,
tivemos dificuldade em alugar a casa – conseguimos à última hora, numa rua onde
nos lembrávamos apenas do Quartel dos Bombeiros. Não fizemos perguntas,
sequiosos como estávamos por aqueles quinze dias a gozar os areais extensos, o
marisco dos restaurantes típicos e os fins de tarde preguiçosos no Café da Ria;
mas logo percebemos o nosso erro: a casa não ficava na rua do Quartel dos
Bombeiros – a casa ERA o Quartel dos Bombeiros.
-Vamos embora! - gritou a minha
mulher, claramente zangada – Eu vim para descansar!
Os miúdos desligaram as consolas, olharam
para o Quartel e berraram em uníssono: - Fixe!
Dois rapazes, da idade dos meus
filhos, apareceram, a princípio tímidos mas logo perdendo a timidez, e
desencaminharam a Sofia e o Filipe para um jogo, no pequeno parque que ficava à
frente.
Um bombeiro, que fumava junto à porta,
anunciou que eram filhos dele. Aproximámo-nos.
- Bom dia. – cumprimentei
eu, estendendo a minha mão que ele apertou como o aço aperta um pedaço de
borracha.
- Já vi que vieram enganados…esperavam
outra coisa… – disse ele, sorriso aberto, –… mas posso assegurar que está tudo
impecável. Mas se quiserem, devolvemos o dinheiro. Há sempre gente a querer a
casa.
Olhei para a minha mulher – ela tinha
o olhar perdido nos miúdos que brincavam no parque, esquecidos, pela primeira
vez há muito tempo, das suas enervantes consolas portáteis.
- Ficamos, querido… – sentenciou ela, por fim
– … viemos para descansar…
Autor: Jorge Santos
Texto 5 - 11º Campeonato de Escrita Criativa