terça-feira, 21 de agosto de 2012

Aquele Dia de Chuva


            Já chovia bem quando saí de casa. Abri o meu velho guarda-chuva, todo rasgado, e fiz-me à rua. Gostava particularmente das quartas-feiras porque podia dormir até mais tarde; as aulas só começavam a meio da manhã e esse pensamento animava-me logo. Além das quartas-feiras, gostava do som da chuva a cair: havia ritmo, e eu, como músico, apreciava particularmente a cadência das gotas e o diferente som que faziam ao cair sobre diferentes materiais.
            O que é que podia tornar ainda mais perfeito aquele dia? A resposta estava na paragem do autocarro: a rapariga dos meus sonhos, que costumava lá estar, sempre guardada pelo irritante namorado – linda de morrer, um verdadeiro atentado à minha paz. Desta vez estava sozinha, debaixo de um guarda-chuva violeta.
Que fazer?
Num impulso de vergonha fechei o meu velho guarda-chuva e atirei-o fora. Senti imediatamente os pingos frios a cair-me na cabeça e a escorregar pelas costas a baixo.
Arrepio.
            Aproximei-me da paragem, completamente encharcado. Ela virou-se. Tinha os olhos escuros com estranhos reflexos verdes e um sorriso que me desarmou completamente. Percebi que me convidava a abrigar debaixo do guarda-chuva, porque não havia outro sítio nas imediações.
            - Obrigado! – digo eu, com uma voz estupidamente trémula. O meu cérebro fervilha à procura de coisas interessantes para lhe dizer, mas o nervosismo era tanto que não surge nada. Não adianta falar do tempo, porque estava encharcado dele. Num ímpeto de idiotice relativa, pergunto-lhe pelo namorado.
            Ela riu-se com um riso melódico que me provocou imediatamente:
- Terminámos. Ele era um chato.
            A notícia teve o mesmo efeito em mim que teria uma bomba nuclear: eles tinham terminado. Não corria o risco que ele aparecesse de um momento para o outro para reivindicar o que, temporariamente, era meu.
Não sei ao certo durante quanto tempo falámos, mas chegámos a uma altura em que as palavras eram perfeitamente irrelevantes: usávamos já a telepatia e a linguagem gestual - aprendemos juntos, naquele dia, a linguagem do amor.

            Hoje, tantos anos passados, olho, através do vidro da janela da nossa casa, para a chuva que varre os campos lá fora. O que tornaria ainda mais perfeito o dia de hoje?
Resposta simples e imediata: ela, que pressinto por trás de mim.
Viro-me. Os mesmos olhos escuros com reflexos verdes sorriem para mim. Abraço-a com cuidado para não apertar a barriga: dentro de poucos dias a Sofia nascerá (num dia de chuva, espero eu).


Autor: Jorge Santos
Texto 6 - 11º Campeonato de Escrita Criativa