terça-feira, 21 de agosto de 2012

Raios parta o tempo (ou a falta dele)



            Não sei se me irritou mais a comprovação do facto ou a longevidade da suspeita: não iria de férias nesta Semana Santa. Sou escravo do tempo, ou da falta dele, que não permite que o trabalho seja entregue nesse safado a que as pessoas resolveram chamar de Prazo. É quase anedótico, numa época em que tanta gente se queixa da sua falta, que eu me queixe do excesso de trabalho - ou da falta de tempo, consumido por um milhão de pequenas coisas que, no fundo, me deixam sem tempo para nada fazer: o frete do trabalho, o frete das deslocações, o frete do transporte dos filhos para as suas múltiplas actividades com que ocupam o seu tempo, e me consomem o meu. Só de noite tenho tempo para ter tempo para mim, para me ocupar dos meus vícios, socializando virtualmente no Facebook e escrevendo – sempre fora de horas, quando o silêncio da casa me proporciona a paz de espírito necessária.     
            Que saudades tenho da minha infância, quando o tempo parecia esticar-se infinitamente, pondo à prova a minha capacidade para arranjar algo com que o ocupar. Agora é ao contrário: o tempo é tão curto que põe à prova a minha capacidade para arranjar algum tempo livre para fazer algo.
Crescemos rápido demais e ninguém nos avisa de que isto acontece (pulhas!). Mal deixamos as nossas fraldas e já as estamos a pôr aos nossos filhos. Aprendemos as primeiras letras, e quando damos por ela, já somos doutores. Evoluímos em pouco tempo, mas é quando mais precisamos dele que deixamos de ter tempo – escapa-nos das mãos, esvai-se rapidamente num buraco sem fundo, à medida que a nossa vida o consome.
Felizmente que a falta de tempo não me permite, sequer, sentir a infelicidade de não ter tempo; sobra-me pouco tempo para tentar ser feliz.
O tempo é verdadeiramente ignóbil, um autêntico carrasco da nossa felicidade, a menos que o ocupemos com aquilo que realmente gostamos de fazer - quando isso acontece, sentimos que voltamos à nossa infância, e só assim somos felizes, esquecendo, completamente, a passagem do tempo. 
            

Autor: Jorge Santos
Texto 8 - 11º Campeonato de Escrita Criativa