sábado, 7 de julho de 2012

Adeus, Amor


O Amor observou o olhar duro dos dois cônjuges, avaliou o ódio premente e decidiu abandonar a casa, fechando a porta: não voltaria ali.

Mais uma vez, pensou.

Estava farto. Mais um lar desfeito e não podia fazer nada: quando o Amor desaparecia do lar raramente voltava, pelo menos na sua forma original. Podia, quando muito, vir encapotado como Pena e Compaixão, suas irmãs bastardas, mas nunca como Amor. À saída, abatido, cruza-se com o seu irmão Ódio, carregado de malas: via-se que vinha para ficar.

No início, a casa tinha sido habitada pela sua irmã Atracção. Os dois membros do casal viveram este período apaixonadamente, sempre juntos. Faziam amor em qualquer sítio e em qualquer lugar, mesmo naqueles sítios onde não era suposto ou permitido. Não lhes importava: a Atracção forçava-os a isso, aliada à sua meia-irmã Paixão. As duas eram poderosíssimas, até ao momento em que se desvaneciam, consumidas pelo rame-rame do dia-a-dia, e o Amor tomava conta deles. Mas mesmo esse não fazia todo o trabalho e podia desaparecer, se não fosse alimentado. Era esse o grande problema do amor. A sua eterna fome. Os dois tinham de trabalhar para o manter, como mais um membro da casa, mais um filho invisível que mantém tudo unido, não se dando por ele até ao momento em que sai de casa. Nesse momento, tudo cai e é-lhe dado o merecido valor.

O Amor ouve ainda os gritos da discussão dentro de casa, abana a cabeça e desaparece na noite, rumo a outro casal com a Atracção a desvanecer.