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Diz-me.
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Conseguiste.
John
ergueu a cerveja dele. Brindámos ruidosamente. A situação não era para menos.
Tínhamos conseguido um milagre – não fizéramos ver os cegos, nem fizéramos
andar um paralítico. Tínhamos conseguido que uma luz vermelha ficasse verde. E
mesmo assim gritámos e sentíamos a mesma felicidade. Os cientistas viviam
destas pequenas vitórias. Compensavam meses de trabalho enfadonho, cheio de
repetições e recuos.
-Consegui
– anunciei eu em casa. Tanto Anna
como a minha mulher não percebiam o que eu fazia, mas ficavam sempre contentes
com as minhas vitórias.
-
Boa, papá! – gritou a Anna, plena de felicidade, nos seus 5 anitos. Não lhe
podia explicar o que era o Neuroscanner. Não lhe podia explicar que tinha
conseguido, finalmente, sondar uma ligação sináptica. Na prática, tratava-se do
início de um trabalho que eventualmente demoraria décadas e que terminaria com
a construção do primeiro cérebro virtual, simulado por computador. John estava
a terminar o programa, eu avançava, a passos largos, com o Neuroscanner, um
aparelho gigantesco que precisava de uma sala inteira para funcionar.
Houvesse
tempo… O tempo falta-nos quando começamos a sentir o sucesso. A notícia
apanhou-me de surpresa, como fazem todas as más notícias. As primeiras sessões
de quimioterapia deixavam-me exausto e sem capacidade para me concentrar no
trabalho. “Não vais poder continuar a trabalhar”, anunciou o médico, um grande
amigo meu que me dera a notícia do diagnóstico com uma lágrima no olho –
dera-me a notícia, juntamente com outra, ainda pior, a probabilidade de
sobrevivência era muito baixa. As metástases corroíam já o meu corpo. A visão
de não conseguir ver a minha filha a crescer arrastava-me para um buraco.
Não! Não podia deixar que a doença me
vencesse assim. Falei com o John. Expliquei-lhe o meu estado. Ficou de rastos.
Era um bom amigo – mesmo assim chamou-me doido quando lhe expliquei a minha
decisão.
-
Ajuda-me.
John
pensou um segundo, antes de aceitar. Se fossemos apanhados, seriamos
despedidos. Não podíamos gastar recursos da empresa com aquilo que eu pretendia
fazer. Combinámos gastar horas fora do horário de trabalho. Seria um bom
investimento – na prática, antecipávamos o que a empresa pretendia fazer.
-
Ajudo-te.
“Ajuda-me”,
escreveu Anna no portátil antigo. Quem a via fazer isso, pensava que era
idiota. Já ninguém usava aquelas coisas.
“Entre
azul e violeta, a tua mãe prefere violeta”, leu ela, como resposta. Depois
apareceu outra frase no monitor: “E eu preferia que não continuassem a
relembrar o dia em que morri. Já passaram vinte anos. Já chega.”
Anna sorri, um sorriso
baço, toldado pela mágoa e pelas saudades. Sabia que era uma privilegiada. O
pai continuava vivo, ali, naquele chat. Continuaria vivo enquanto houvessem cópias de segurança, mesmo depois dela morrer.Jorge Santos - 2/10/2012