Não restava
qualquer dúvida, ao Manuel, de que amava Inês. Como não havia dinheiro
para casarem, alugaram um apartamento pequeno nos arredores; tiveram dois
filhos e eram felizes até que ficaram, os dois, desempregados. Depois disso
continuaram felizes, mas com uma sombra de incerteza muito grande em cima da
cabeça deles. Com várias rendas em atraso, contas por pagar e sem dinheiro para
pôr comida na mesa, Manuel sentiu que tinha de sair; foi procurar trabalho numa
cidade próxima. Encontrou Matilde, uma mulher divorciada a quem ocultou o facto
de ter uma família. Quando podia, regressava em segredo para junto de Inês,
trazia dinheiro e comida da despensa de Matilde, até ao dia em que tocaram à
porta da sua casa, que partilhava com Inês e os dois filhos - foi um deles que
foi abrir, contrariando a vontade do pai, mas ele era assim. “Quem é, Pedro?”,
perguntou Manuel, chegando junto à porta onde deu de caras com Matilde. Ela olhou para
ele, com um sorriso matreiro. Inês chegou ainda antes dele poder falar com ela.
“Quem é?”, perguntou Inês, a limpar as
mãos ao avental. Manuel responde que é uma amiga. Não consegue disfarçar o
nervosismo na voz. Matilde ajuda-o: “Conhece-mo-nos no comboio. Ele esqueceu-se
disto... (trazia na mão um casaco de malha que Inês não via há muito tempo)". Inês
comentou que já tinha dado pela falta do casaco. Manuel estava a um ponto de
ter um ataque, enquanto que Inês convida Matilde para lanchar. Para desespero do Manuel, esta aceita; entra na casa
deles, observando com interesse todos os detalhes. A casa do Manuel e da Inês era tão diferente da casa dela,
como da água para o vinho. Os filhos não abrandavam a algazarra, estavam
excitados por terem uma visita, ainda por cima uma senhora tão bem vestida e
vistosa como Matilde. Sentaram-se à mesa da sala. Inês trouxe chá, tostas e
umas latas pequenas.
“O
Manuel diz que isto é bom”, diz ela, abrindo as latas e colocando-as na mesa.
“É
caviar”, explicou Matilde, “eu também gasto desta marca.”
Manuel
não sabia onde se meter. Não abriu a boca o tempo todo. Inês discutia
pormenores sobre os filhos. Matilde estava genuinamente interessada em saber. Pareciam
dar-se bem.
A
campainha tocou. Um dos filhos deles foi abrir. Anunciou uma visita, e Inês foi
até à porta. Manuel ouviu-a a falar e percebeu que ia demorar.
“O
que é que estás aqui a fazer?”, perguntou, quando percebeu que Inês estava
longe e os miúdos entretidos a ver televisão.
Matilde
serviu-se do caviar, do caviar que era DELA.
“Eu
não convivo bem com a falsidade. Queria saber quem tu eras. Agora já sei: és um
pulha.”
Manuel
não podia refutar o óbvio.
“Vais
dizer-lhe?”, perguntou ele, o coração aos saltos.
“Tem
calma. Eu sei o que custa um lar desfeito. Creio que podemos chegar a um
acordo. Se me responderes a uma pergunta”
“Diz”,
disse ele, enquanto ouvia a Inês a dar uma gargalhada histérica.
“Tu
sentes-te atraído por mim? Já sei que amas a Inês. Mas é importante, para mim, saber isto. Eu não
vou contar nada, qualquer que seja a tua resposta.”
Manuel
disse que sim. Não a amava, mas sentia uma atracção forte por ela.
“Muito
bem. Eu consigo viver sozinha, mas não absolutamente sozinha. E gosto muito de
ti, muito mais do que qualquer outro namorado que tive, desde que o palhaço do
meu marido me abandonou. O acordo é este.”
Matilde
explicou o acordo, em voz baixa, pressentindo o regresso de Inês. Manuel ficou
de pensar.
No fim do lanche, Manuel ficou
aliviado ao ver as curvas sedutoras da Matilde a sair de casa. Inês esperou que
ela desaparecesse na rua, e olhou furiosa para ele. Nada que ele já não esperasse.
“Eu
não sei o que se passou aqui, mas esta serigaita não é tua amiga, coisíssima
nenhuma. Ai de ti se trazes alguma amante cá para casa outra vez. Não me
importa o que faças com ela: esta é, e será sempre, a nossa casa. Eu sou, e serei
sempre, a tua mulher.”
Novamente,
Manuel não conseguiu refutar o óbvio. Nunca mais Inês ouviu falar em Matilde,
que se mudou para Lisboa e arranjou por lá um trabalho para o Manuel. O trabalho de sonho, que ele sempre ambicionara. Inês, no entanto, não queria saber em ir viver para Lisboa. Ao dia de semana, Manuel
vivia secretamente em Lisboa com a Matilde, e vinha ao fim de semana para casa.
E
viveram, os três, estranhamente felizes para sempre.