A Maria e o Iosif chegaram a Lisboa na véspera de Natal. Não
tinham planeado chegar naquela altura, preferiam ter passado o Natal com os
seus familiares em Slobozia, na Roménia, mas tinham sido obrigados a mudar de
planos. Vinham cheios de sonhos e esperança de fugir à fome e à miséria da sua
terra. Sabiam que em Portugal a situação não era muito melhor, mas pelo menos
ainda havia alguma esperança para quem não desistisse de lutar, e Iosif não
costumava desistir. Havia no entanto o problema da gravidez avançada de Maria. Apesar dos pedidos de toda a gente, ela, teimosa como sempre, não quisera ficar na Roménia. A criança nasceria dentro de algumas semanas. O tempo suficiente
para que eles conseguissem chegar à família que Maria tinha em Portugal.
Saíram do comboio que os trazia de Madrid e pousaram as
malas no chão da estação de Santa Apolónia. Maria tinha sede. Além disso sentia
pontadas na barriga, que alegava terem sido causadas pelas muitas horas de
viagem. Iosif entrou no bar, deixando a mulher sentada ao lado das malas, num desconfortável banco metálico. Um grupo de rapazes aproximou-se de Maria,
gritando animadamente uns com outros. Um deles atira um rapaz alto contra o
banco onde estava Maria, quase caindo em cima da barriga dela. Maria afasta-se
para o extremo do banco, o rapaz pede desculpa e levanta-se, correndo atrás do
outro rapaz. As pessoas aproximaram-se de Maria, mas ela não percebia a língua.
Apontavam para as malas, agitadas. Foi então que Maria percebeu. Quando Iosif chegou com
a garrafa de água nas mãos, encontrou a esposa a chorar.
“Fomos
roubados, Iosif!”, disse ela, a voz quase incompreensível, uma mão a segurar a
barriga. Iosif entregou-lhe a água. Olhou em volta para ver se via a mala, que
continha todo o dinheiro deles, bem como os contactos e os documentos. Deixou-se
cair no banco, ao lado de Maria. Abraçou-a da forma mais carinhosa que
encontrou. Estava mais preocupado com as dores que a mulher sentia do que com o
resto. Tinham apenas dinheiro para comer uma refeição leve.
“Vai correr
tudo bem, Maria, não te preocupes.”, disse ele. Depois
tentaram caminhar até uma estalagem que tinha sido aconselhada, mas como não
tinham dinheiro foi-lhes recusada a estadia. Correram todas as pensões e
residenciais da zona. Todas recusaram indicando estarem cheias. As que diziam
não estar cheias não os deixavam ficar, mesmo vendo o estado de Maria.
Chegando à
noite, encontraram uma casa abandonada. Estava a ficar frio, e qualquer coisa
era melhor do que estar ao frio. Nunca pensavam passar a véspera de Natal na
rua, ou mesmo numa casa abandonada. Maria via o desespero de Iosif e tentava
acalmá-lo. “Vai correr tudo bem”, disse ela, antes de dar um grito.
“Maria!”, gritou Iosif. Percebeu que o bebé estava para nascer. Encontrou um cobertor e
uma almofada no chão. Deitou-a da forma mais confortável que podia arranjar.
Estava desesperado, mas não o podia mostrar. Maria estava cheia de dores.
Berrava. Tudo estava a acontecer rápido
demais. E ele estava sozinho com ela.
Mas Iosif
estava enganado. Sentiu uma presença por trás dele. Virou-se. Uma mulher baixa
e gorda falou algo que ele não percebeu.
Ele falou em francês – ela respondeu-lhe, aninhando-se.“Afasta-te.
Eu já dei à luz muitos bebés”, disse ela, no seu francês macarrónico, quase
imperceptível. Ele sentiu-se aliviado. Ajudava-a no que podia. O parto durou
mais de uma hora, e quando Maria já estava completamente exausta, o bebé
nasceu.
Iosif nunca se sentira
tão feliz como naquele momento, quando teve o filho nos braços e percebeu que
Maria estava bem. Tinha uma família! Não começara da melhor forma, mas daria
tudo para melhorar. Ana, a mendiga que ajudara Maria a dar à luz, chamou alguém,
e apareceram de imediato mais dois mendigos. que tinham ficado na sala do lado. Juntaram o pouco que tinham e
improvisaram uma consoada – o melhor Natal que Iosif teria em toda a sua vida.