O Ramiro era um gato que vivia num apartamento. Passava o
tempo na varanda a observar as pessoas que passavam lá em baixo na rua, e que
via nos apartamentos da frente – era o seu passatempo favorito, não podia
evitar ser um gato cusco, nem via nenhuma razão para isso. Achava curiosa a vida
das pessoas, chegara mesmo a pensar que alguém as tinha inventado com o fim único dele
poder passar as tardes enquanto esperava a dona chegar da escola. Gostava bastante
daquela época do ano, que antecedia a sua época favorita, em que costumava
descer à rua para namorar. Miauuuú!
Achava piada ao facto do bulício das pessoas na rua aumentar
naquela época. Andavam quase que a correr, com sacos nas mãos. O trânsito aumentava
e tornava-se insuportável em direcção à casa grande que ficava no final da rua
e onde ele via a maior quantidade de gente com os seus sacos. Deviam dar sacos
naquela casa, mas o Ramiro já tinha ido até lá numa das suas saídas, mas não
tinha encontrado nada. Apenas portas fechadas.
No prédio da frente raramente via pessoas, mas numa noite, e
numa única noite durante o ano, as pessoas juntavam-se para comer. Até na casa
da sua dona isso acontecia. Gente que ele não via o resto do ano aparecia de
surpresa e invadia-lhe o espaço que era dele. O Ramiro não percebia aquilo. Porque
razão só se reuniam todos naquela única noite durante o ano? O seu raciocínio
de gato não conseguia perceber.
E depois trocavam presentes. Em todas as casas. Ele
conseguia ver através das janelas dos apartamentos da frente. Parecia que eram
todos da mesma família, mas só naquela noite, nas outras tornavam-se estranhos,
até que o ritual voltava a acontecer no ano seguinte... E o Ramiro abanava a
cabeça.
Sinceramente, não percebia, mas ele tinha um segredo –
também ele fora um presente de natal.
Lembrava-se perfeitamente de estar cheio
de medo dentro de uma caixa onde alguém tinha feito furos para ele poder
respirar. Ficara lá durante horas. Depois ouviu uma vozinha de menina, voz essa
que o acompanharia durante o resto da sua vida e que ele simplesmente adorava. Duas
mãos pequeninas abriram a caixa, ele ouviu um grito de alegria e de seguida
essas mesmas mãos pegavam nele, de uma forma desajeitada mas que rapidamente se
tornariam hábeis, e de imediato todo o medo o abandonou.
Ainda agora ele se lembrava desse momento, enquanto saltava
para o colo da sua dona, entretanto mais crescida. Enquanto ela lhe coçava as
costas, ele pensava que, pelo menos para ele, todos os dias era Natal…