O burro acordou com um tumulto
anormal dentro da caixa. Estava escuro, mas
todas as figuras dos presépios conseguiam ver bem no escuro, à força de
ficarem fechadas todo o ano para brilharem em toda a sua glória durante o
último mês do ano. A um canto da caixa, a Virgem Maria chorava, S. José tentava
reconfortá-la. Alguns pastores observavam o chão e o tecto e comentavam ter
visto uma luz e que ele tinha desaparecido. E o burro, que não era burro nenhum
e que até tinha andado na Sorbonne (no presépio da Sorbonne, entenda-se, mas
isto ele não suficientemente burro para revelar aos outros), disse: “Deve ter
sido raptado por Extra-terrestres!”
Esta afirmação aumentou ainda
mais o volume do choro da Virgem Maria. Um dos Reis Magos aproximou-se do burro
montado no seu camelo, de cima do qual nunca podia sair. “Não sejas parvo…para
que é que os extra-terrestres queriam uma figura do presépio?”
O Burro olhou para ele, pensou um
bom bocado e depois exclamou: “Eles devem ter roubado todos os meninos Jesus de
todos os presépios do mundo!”
Um dos outros Reis Magos, que
estava deitado no chão da caixa disse a coisa mais inteligente que podia ser
dito: “E para quê?”
O burro encolheu os ombros, ou
teria encolhido os ombros se o pudesse fazer. Passou por cima de uma ovelha que
contava uma anedota a outra ovelha. Sabia que era uma anedota, porque as duas
se riram, mas ninguém sabia a sua linguagem. Para o burro, eram as criaturas
mas burras do presépio.
O terceiro Rei Mago olhava para o
tecto da caixa. “Se não houver menino Jesus, este ano não sairemos da caixa…sem
ele não há presépio,”
“Mascaramos o burro de menino
Jesus”, gracejou um dos pastores. Os outros pastores riram-se, mas depois
calaram-se quando perceberam que mais ninguém tinha achado piada.
Estiveram vários dias a discutir
o desaparecimento do menino Jesus, até que o tecto se abriu e uma mão começou a
tirar cada uma das figuras da caixa, deixando o burro para o final. Quando
chegou a sua vez, a mão pegou nele com toda a delicadeza e colocou-o no
presépio, absolutamente esplendoroso como todos os anos. No meio estava, para
espanto do Burro, o menino Jesus, que tinha todo o aspecto de ter sido pintado
de novo e reparado.