sábado, 18 de outubro de 2014

Turistas

«É ele!»
Foi apenas um sussurro. Uma coisa mínima que poderia ter-se misturado com o vento daquele dia de Outono, mas eu tinha percebido. Virei ligeiramente a cabeça, só o suficiente para conseguir ver três jovens vestidos de negro que, sentados na berma do passeio, olhavam disfarçadamente para mim. Mas eu tinha percebido que eu era «ele». Eu, que nunca tinha feito nada na vida que fosse merecedor daquele tipo de atenção. Fiquei com a pulga atrás da orelha e segui caminho.
Devia ter-me esquecido do acontecido, mas o facto é que, por algum motivo, aquilo ficou-me retido teimosamente na memória. Relembrei-me disso alguns dias depois, quando uma rapariga de aspecto estranho pareceu ficar especada à minha frente. Não estava na mesma rua, nem era a mesma hora, e nenhum dos três rapazes estava por ali. No entanto, aquela rapariga tinha corado, e normalmente sou que coro. Passava-se algo. Era complicado ligar os dois acontecimentos, mas eu era mestre em ligar acontecimentos complicados, especialmente quando voltaria a acontecer novamente, dois dias depois.
Embora ela estivesse longe, apercebi-me que uma senhora me fotografava à distância, também ela vestindo uma mistura ao mesmo tempo anacrónica e futurista que a tornava tão visível como um gótico a dar catequese. Tentei aproximar-me dela, mas ela desapareceu.
Eram agora duas pulgas atrás da orelha, as quais provocavam uma comichão mental de dimensão considerável, e, como já tinham havido 3 vezes, de certeza que haveria uma quarta vez.
Desta vez estava à espera, mas tive de aguentar quase uma semana até ver um casal de máquina fotográfica que estava nitidamente interessado em mim. Interpelei-os.
«Desculpem, posso fazer-vos uma pergunta?»
Eles pareceram assustados. Não esperavam que eu falasse com eles.
«Eu não vos faço mal. É só uma pergunta.»
O marido olhou para a mulher. Não consegui compreender o olhar que trocaram.
«Eu tenho direito a saber porque é que, de um momento para o outro, toda a gente parece interessada em mim.»
O homem lá se decidiu a falar. Tinha um sotaque estranho, quase imperceptível.
«Nós não podemos. É contra as regras. Nós somos turistas. Estamos a aproveitar uma promoção para conhecer pessoas famosas. Mas não estamos autorizados a falar com essas pessoas.»
Fui aos arames. Nada daquilo fazia sentido.
«Eu não sou famoso! Vocês enganaram-se na pessoa!», exclamei.
 A senhora sorriu timidamente.
«O senhor ainda não é. Mas vai ser. Nós não somos de cá. Ou melhor, não somos de agora.»
Aquilo era de doidos. Antes de conseguir que me respondessem a algumas das milhares de questões que me atormentavam o espírito, eles seguiram caminho, num passo rápido e desaparecendo no nada depois de dobrarem a esquina. E eu fiquei ali, lixado da vida, nunca mais vendo ninguém verdadeiramente estranho, à excepção de algumas aves-raras que habitavam na cidade.
A verdade é que sempre tive muitos sonhos na cabeça. A diferença é que agora sabia que um deles me levaria ao sucesso. Só faltava descobrir qual.

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