terça-feira, 17 de junho de 2014

O nabo e o micro-tsunami

As memórias de infância são dispersas, errantes. Filtros emocionais que nos deixam apenas o que realmente temos saudades.

Lembro-me do cheiro do guisado de carne que a minha mãe punha na grande garrafa térmica que deixava para o almoço do meu pai, enquanto nos pisgávamos rapidamente para a praia, de onde regressávamos à tarde.

Lembro-me do calor tórrido das viagens de regresso, num Mini dos antigos, com bancos sem apoio de cabeça. O ar-condicionado era manual, de janela aberta. Acabava sempre por adormecer no caminho, a minha cabeça a balançar para a frente e para trás, como se fosse um boneco ao sabor das acelerações e travagens do carro.

Pelo meio ficaram as recordações dos longos passeios pela beira-mar, dos mergulhos, dos jogos no pinhal e das histórias estranhas como aquela à qual acabei de chamar de "O nabo e o micro-tsunami", nome escolhido à pressa enquanto almoço no café, passados 30 anos dos acontecimentos.

Reza a história que uma família com dois filhos, já adolescentes, foram para a praia de Ofir. Num gesto temerário, ou simplesmente estúpido, tinham posto as toalhas junto à rebentação.  Um dos filhos estava deitado na toalha, aos lado dos pais. O outro, sentado na toalha, observava o mar, como que hipnotizado pelas ondas. E eu fiquei a ver, mais recuado, como se fosse um filme cómico ao qual já desvendava o final: o filho sentado observava a maré a chegar cada vez mais perto, mas não fez nada para avisar, mesmo quando um micro-tsunami chegou e os empurrou para trás, aos trambulhões pela areia fora. 

É algo estranho, mas quando me lembro desses tempos, essa recordação de os ver aos trambulhões praia fora vem sempre ao de cima.

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