quinta-feira, 19 de junho de 2014

O Dr. Tempo

Dizem que o tempo tudo cura. Isso é uma treta como tantas outras contadas por aqueles que esperam até desesperar.

Lembro-me do nascimento da minha primeira filha. Como todos os primeiros filhos, canalizamos para eles quantidades colossais de afectos, sonhos e aspirações. Bebemos cada momento como se o mundo parasse só porque lhe nasceu mais um dente. Aprendemos a viver de sorriso em sorriso. Tornou-se uma criança esperta, bonita e simpática, sempre pronta para a brincadeira, como qualquer outra criança saudável, como pensavamos na altura que também ela era. Foi a avó, mais experiente, que deu o alarme. Bastou estranhar a posição do pé direito enquanto caminhava, para a levarmos ao especialista. A sentença fez-nos acordar do sonho e o pesadelo começou na semana seguinte: durante um mês, a criança, que já corria pela casa fora, viu-se presa a uma cama de hospital, com as duas pernas presas a pesos. Durante um mês saí tarde do hospital, para ser rendido pela mãe, que passava lá a noite, e chegava a casa com um sentimento de falta terrível. Durante um mês, entre choros e zangas, a Sofia mostrou a sua garra e não se deixou abater: arranjava sempre forma de brincar. O riso dela, por menos frequente que fosse, contagiava-nos, dava-nos força. Nós sabiamos o que ia acontecer a seguir, ela não. A primeira operação correu mal. Teve de ser operada uma segunda vez. No final, lá veio ela, com gesso nas duas pernas e um pau de vassora a ligar, para ajudar a pegar na criança. Era suposto ficar assim durante meses, e ela ficou. Assim que se habituou, já tentava levantar-se, segurando-se às barras da cama, enquanto nós tentavamos protegê-la ao máximo do calor do Verão.

O tempo era suposto curá-la, mas ensinou-nos a nós uma lição de humildade, como só a doença nos ensina.

O tempo era suposto curá-la, mas não curou: quando finalmente tiraram a armadura de gesso, os médicos, que regiam os nossos destinos durante os últimos meses, disseram, simplesmente, que tudo tinha sido em vão. A menina tinha de ser novamente operada e devia ser colocada uma platina que, segundo me disseram depois, era o procedimento mais usual naqueles casos, dado que a armadura de gesso não oferecia tantas garantias de resultado.

A menina tem agora 16 anos, mas sempre que vejo a cicatriz de 10 centímentros na perna me lembro desta história.

Vem isto a respeito de que, ainda hoje, vi um menino que aparentava ter o mesmo problema.

Tive quase a audácia de falar com a mãe.

Mas não fui.

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