quinta-feira, 3 de abril de 2025

Mar dentro de mim

 

Tenho um búzio que me diz coisas estranhas ao ouvido
Sereia Louca, Capicua


    Singular é a imensidão fluída e revolta do mar. Não passa de uma multidão de gotas de água que se juntaram para fazer algo maior, cada uma formada por um átomo oxigénio e dois de hidrogénio, eternos, inseparáveis num romance com uma química única. Tentar compreender o mar como um conjunto de gotas é como tentar perceber o ser humano como um aglomerado de células. Ambos são muito maiores, dotados de personalidade, segredos e vontades. Infinitos nas suas possibilidades e capacidades. O desconhecido habita em ambos, como se fossem máquinas de produzir sonhos.

    Singular é, também, a tranquilidade que o mar nos transmite, mesmo em constante revolução. O som das ondas a lamber a areia é dos mais puros que conheço. Dos poucos que poderia estar horas a ouvir sem me cansar. A ligação tem tanto de profunda como de imediata, sempre insatisfeita – afinal, somos criaturas de água – 70% dos nossos corpos é líquida, o resto é pó à espera de se tornar pó. Matéria à espera de voltar a ser outras vidas, num ciclo infinito. Um dia, a água que constitui o meu corpo regressará ao mar. É uma fatalidade que aceito. Enquanto espero, sento-me na areia e, com uma atenção quase infantil, escuto o mar.

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